Estas crianças “trabalhadoras” não serão afinal “escravas”?

Estas crianças “trabalhadoras” não serão afinal “escravas”?

6 de Outubro, 2016 0

Trabalho infantil na Índia

“O trabalho infantil é, infelizmente, por vezes, a melhor opção ao alcance de famílias muito pobres. No entanto, quando as crianças são escravizadas, ninguém se importa com o que é melhor para elas”, escreveu o diretor da organização de direitos humanos Anti-Slavery International, Aidan McQuade, num artigo para o The Guardian.

No princípio de 2016, duas reportagens sobre exploração infantil correram os media britânicos. Eram elas a reportagem sobre crianças forçadas a trabalhar nas minas de cobalto no Congo e sobre a exploração infantil numa plantação de chá, propriedade da Igreja Católica, no Uganda. Ambas as notícias são inquietantes e ambas, na opinião de Aidan McQuade, incorrem no mesmo erro: “falham na devida identificação, como escravatura infantil, do fenómeno que expõem como trabalho infantil”.

Afinal, o que diferencia os dois?

“Quando nos deparamos com trabalho infantil, mesmo que perigoso, este costuma ocorrer enquanto a criança ainda está ao cuidado dos pais”, explica o ativista defensor dos direitos humanos. “De um modo geral, estes pais terão em mente os interesses superiores do filho – às vezes poderão estar profundamente enganados quanto ao carácter destes interesses –, mas é uma triste realidade que, em algumas das comunidades mais afetadas pela pobreza extrema, o trabalho infantil possa ser a melhor alternativa à disposição das crianças e das suas famílias.” Aidan McQuade relembra, por exemplo, o caso que testemunhou na Etiópia, no início dos anos 90, no qual uma mãe estava intencionalmente a deixar morrer à fome um filho, por não ter dinheiro para alimentar toda a família.

Nos casos de trabalho infantil, os pais estão frequentemente abertos a novas ideias de como melhor proteger os seus filhos, existindo assim uma convergência de interesses entre os mesmos e as organizações que lutam para erradicar esta prática. “Trabalhar com as comunidades para aumentar o acesso das crianças à educação e oferecer trabalho decente aos seus pais pode assim levar a uma diminuição drástica no trabalho infantil.”

Já no que diz respeito à escravatura infantil, diz a Convenção suplementar sobre a escravatura de 1956 que é “a entrega por parte dos pais ou do guardião de uma criança a terceiros para fins de exploração”. É clara a inexistência, para Aidan McQuade, de um possível compromisso com os pais, nos casos de crianças entregues pelos seus guardiães para que sejam traficadas, para lutarem como crianças-soldado em conflitos armados ou usadas para realizaram trabalhos forçados. “Embora estes [exemplos] representem práticas distintas que ocorrem dentro de uma grande variedade de contextos socioeconómicos diferentes, todos eles têm uma coisa em comum: em nenhum deles, nem em qualquer outro caso de escravatura infantil, se importam os adultos que perpetuam a exploração dos menores com os interesses superiores das crianças”, escreve.

Existem 5,5 milhões de crianças escravas no mundo, segundo estimativas de 2012 da Organização Internacional do Trabalho. Este foi o mesmo número apresentado pela organização, 7 anos antes, em relação ao ano de 2005. “Não é surpreendente o facto de o número de crianças escravizadas não ter diminuído. A escravatura infantil não é apenas abordada de forma insuficiente também é identificada de modo insatisfatório (…) A indústria do chá e outras cadeias de fornecimento de produtos agrícolas prosperam com a escravização de crianças; não só o cobalto, mas também coltan e ouro são extraídos por crianças escravas; a pornografia de abusos a crianças e o tráfico sexual de crianças são formas de escravatura; e a aceitação incontestada do casamento infantil, em muitas partes do mundo, ignora que este é, geralmente, a escravização de crianças para exploração sexual sob o mais fino véu de respeitabilidade”, defende.

O diretor da Anti-Slavery International, cargo este que exerce há 10 anos, acredita que o facto de se continuar a denunciar estas práticas de escravatura sob a designação errónea de “trabalho” revela não só falta de compreensão em relação ao que, de facto, se está a passar, como também ao motivo por que está a acontecer, algo que pode ter implicações mais sérias. “Isto reduz a urgência dos esforços políticos para combater [a escravatura]. Além disso, proporciona um mínimo de proteção a quem pratica a escravização das crianças; incontestados, eles continuam a abusar com impunidade. A luta para erradicar a escravatura infantil será longa e difícil. Não deveria ser dificultada ainda mais por ser ignorada de cada vez que nos deparamos com ela.”

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