O futuro condenado à morte

O futuro condenado à morte

19 de Setembro, 2017 0

Na América Latina, Meio Ambiente é uma questão de Vida ou Morte e em Tribunais cruéis, onde a Lei é o arbítrio, pessoas são condenadas e executadas.

Por Vinícius Puhl

 

O escritor argentino Jorge Luis Borges em seu livro ‘La Rosa Profunda’, dedica um Poema ‘Em Memória de Angélica’, onde questiona ‘Quantas vidas possíveis já descansam Nesta bem pobre e diminuta morte, Quantas vidas possíveis que outra sorte Daria ao esquecimento ou à lembrança! Quando eu morrer, morrerá um passado; Com esta flor, morreu só um futuro Nas águas que o ignoram, o mais puro Porvir hoje pios astros arrasado. Eu, como ela, morro em infinitos Destinos que já não me oferece o acaso; Procura a minha sombra os gastos mitos De uma pátria que sempre deu a face. Um breve mármore diz a sua memória; Sobre nós todos cresce, atroz, a história’.

O cenário de mortes de ambientalistas na América Latina revela um massacre, um genocídio social, étnico, cultural, político e ideológico através de um sistemático extermínio patrocinado por capitalistas, proprietários de terra, pelo próprio Estado, sob o manto da impunidade, do esquecimento e de conluio. Apesar de ainda haver discussão caso a caso de episódios de morte trágica de pessoas, em sua maioria ambientalistas com grande liderança comunitária, o genocídio é evidente e parte de um conjunto mais amplo de atos de opressão e de assassinatos, cujas principais vítimas que não exercem liderança na comunidade ou não são declaradamente ambientalistas, são filhos, pais, maridos, esposas e amigos. Muitos vizinhos, testemunhas oculares também são alvos da violência, fato que amplia ainda mais a contagem de uma rede de mais de 2 mil assassinatos, um número que aumenta dia a dia com a intensidade dos conflitos ambientais em curso motivados por água, por terra, por poluição, por despejos, pela mineração e por um capitalismo selvagem.

A perseguição e o massacre são realizados em etapas. Várias Leis são desobedecidas – com maior destaque para as Leis que protegem Reservas Ambientais, Indígenas e de proteção permanente. Grupos paramilitares, por vezes compostos por policiais corruptos, realizam as execuções. São operações planejadas, baseadas em investigações, inteligência e até interceptações telemáticas – grampos em telefones e espionagem de correspondências eletrônicas. Envolvidos diretamente em episódios, vários Governos da América Latina, colaboram com esses crimes. Autoridades acobertam os responsáveis pelos crimes e em sua maioria os inquéritos jamais são concluídos e os responsáveis identificados, julgados e condenados. Muitos adversários políticos também estão na lista de mortos, numa guerra declarada e silenciosa que se realiza em regiões distantes de centros urbanos. Por meio de fuzilamentos, chacinas são executadas que ceifam a vida de Tribos indígenas e famílias inteiras.

 

Equipa de segurança privada guarda o projeto hidroelétrico de Água Zarca. O antigo dirigente desta equipa foi uma das sete pessoas presas pelo assassinato da ativista Berta Cárceres, que durante 10 anos protestou contra a construção da barragem. | Foto: Giles Clarke

Os algozes desses homicídios confinam suas vítimas, subjugam-nas e as executam, transportam seus cadáveres, montam cenas de seus crimes horrendos e criam farsas, ficções e histórias para criminalizá-las, incriminando as próprias vítimas. Muitos simplesmente desaparecem, em sua maioria mortos, esquartejados e enterrados em valas, jogados em rios e lagos ou tendo seus restos mortais entregues de comida aos cães. Um pequeno grupo, sobrevivente, foge e jamais é visto em suas comunidades, numa clandestinidade que lhe impõe o medo da perseguição e o sofrimento do exílio. Em sua imensa maioria compostos de pobres, pessoas umildes e sem recursos materiais e financeiros, ganham a vida pelas cidades, muitos mendigos vendendo cestos, outros trabalhadores assalariados que, oprimidos e marginalizados, vivem sob a memória ambígua de tempos felizes nos campos e florestas e o trauma da impiedosa violência, da triste solidão e da saudade.

 

Onde está Santiago Maldonado?

O jovem Santiago Maldonado é um símbolo recente dessa realidade. Desapareceu na Patagônia argentina em 1 de agosto de 2017 durante um protesto de uma comunidade indígena de Mapuches que haviam ocupado terras do Grupo Benetton. A principal suspeita é que Maldonado tenha sido assassinado. Seu desaparecimento gerou uma comoção na Argentina – país traumatizado pelos mais de 30 mil desaparecidos no período em que sofreu uma sanguinária Ditadura (1966-1973) – e o caso já é um dos maiores escândalos do país e repercute na América Latina. A lógica é a mesma das mais de 300 vítimas de assassinatos identificadas no continente: a impunidade! Ninguém sabe, ninguém viu… O conflito entre a Benetton e os Mapuches na Patagônia argentina, que mobilizou o jovem artesão Santiago Maldonado, diz respeito a ocupação de uma área de 10 milhões de hectares. Os direitos à terra constituem o cenário da maior parte das mortes de que se tem conhecimento de líderes ambientalistas. O capital privado em conluio com Governos realizam transações secretas para destinar grandes áreas de terra e florestas ao Mercado, para a exploração comercial dos recursos naturais, sendo que a maioria das mortes ocorre em conflitos agrários e rurais.

 

Burocracia e Injustiça

Os Estados descumprem suas próprias Leis, atacam, assassinam e criminalizam as pessoas que defendem o Meio Ambiente, ambientalistas e líderes comunitários. Destas vítimas em todo o mundo, 40% são indígenas e 60% são da América Latina. A burocracia estatal nos países latino-americanos é um complexo sistema logístico de papel e dados onde o extermínio de ambientalistas e líderes de comunidades são números, dígitos frios em gavetas de gabinetes que ostentam bons salários, perfumes, bebidas alcoólicas, drogas e prostituição. O judiciário, em muitos países, é o Poder mais corrupto de todos e faz jus à sua fama ao mandar prender a vítima e soltar o criminoso; faz vistas grossas às denúncias, indica paradeiros e colabora com as mortes. Entre os exemplos de maior repercussão desta realidade está o Brasil, maior país do continente, cujos Ministros de seu Supremo Tribunal frequentemente legislam em favor do latifúndio, subvertem Leis e protegem-se uns aos outros, no devido processo legal, sob os auspícios de palavras em latim, como a ‘data venia’ – expressão respeitosa com a qual se inicia uma argumentação, contrariando a opinião de outrem – e o ‘in dubio pro reo’ – que significa literalmente na dúvida, a favor do réu. A corrupção é um dos instrumentos que transforma o Estado deste país num cúmplice de bárbaros crimes, que coloca a arma na cabeça do ambientalista, do índio, da mulher e da criança, que limpa a arma após o pistoleiro apertar o gatilho.

‘Os direitos humanos estão sendo descartados, uma vez que a cultura da impunidade está se desenvolvendo’ é o que revela John Knox, relator especial da ONU sobre direitos humanos e meio ambiente. O incentivo público e privado (Mercado) para destruir o meio ambiente por razões econômicas é brutal. ‘As pessoas em maior risco são pessoas que já são marginalizadas e excluídas da política e da justiça e são dependentes do meio ambiente, do extrativismo para sobreviver. Os países não respeitam o estado de direito. Em todo o mundo, os defensores ambientais enfrentam ameaças’, destaca Knox. No caminho desta barbárie estão, entre outros, empreendimentos dos setores da Mineração, do Agronegócio, da exploração da Madeira, da exploração ilegal da biodiversidade e da construção de barragens.

 


José Claudio Ribeiro da Silva e Maria de Espirito | Fonte: Revista Trip

 

Uma guerra em curso, organizada para o extermínio, para calar, oprimir no cerco e na perseguição a pequenos agricultores, indígenas, trabalhadores, extrativistas. Os conflitos já deixaram milhares de vítimas em assassinatos registrados em aldeias remotas e florestas tropicais, com as comunidades indígenas mais atingidas. José Claudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espírito Santo, ativistas da Amazônia que fizeram campanha contra o desmatamento ilegal, foram mortos em uma emboscada em maio de 2011. Essa violência é produto de uma Indústria mortal: a mineração. Raimundo dos Santos Rodrigues, morto no dia 25 de agosto de 2016 em Bom Jardim, no Maranhão/Brasil foi atacado quando voltava para casa com sua esposa, cruelmente assassinados. Rodrigues integrava o Conselho Consultivo da Reserva Biológica do Gurupi e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O ativista denunciou crimes ambientais cometidos por fazendeiros e madeireiras da região. Depois de seu assassinato, vários integrantes de comunidades locais abandonaram a região.

 

Um outro Mundo é possível

Mas os defensores ambientais e as comunidades que vivem em florestas remotas ou aldeias afetadas pela mineração, barragens, exploração madeireira ilegal, biopirataria e agronegócios não estão sozinhos. Em sua defesa, organizações internacionais se articulam. Um Projeto lançado pelo The Guardian em colaboração com a Global Witness se levanta e diz: basta! Além do registro das mortes de todos em defesa do meio ambiente, pretendem produzir, repercutir e informar sobre acontecimentos nas últimas regiões selvagens do mundo, bem como dos países mais industrializados do planeta, sobre o trabalho dos defensores ambientais e as ameaças contra eles. A Global Witness é uma ONG internacional criada em 1993 para averiguar vínculos entre a exploração de recursos naturais e conflitos, pobreza, corrupção e abusos de direitos humanos a nível mundial.

Um dos lideres na Global Witness, Billy Kyte, nos passou uma relação de contatos de pessoas de diversos países que estão em luta, inclusive no Brasil, país que contabilizou 49 defensores mortos em 2016 – número que pode ser surpreendentemente muito maior. Billy é um dos maiores defensores de ativistas que lutam para proteger suas terras, florestas e cursos de água contra a expansão da agricultura em grande escala, barragens, mineração, exploração madeireira e outras ameaças. A equipe de Billy monitora mortes e defende reformas destinadas a evitar que a competição por recursos gere conflitos. Eles também investigam as causas profundas da violência em países, pressionam Governos para monitorar os abusos e trazer criminosos à justiça.

Billy se juntou a Global Witness em 2009, inicialmente trabalhando em uma campanha para evitar a exploração não sustentável em florestas tropicais. Ele viveu por um tempo substancial na América Latina, trabalhando como jornalista e para a organização de direitos humanos ‘Peace Brigades International’. Ele também viveu e trabalhou em Mianmar com foco em questões de governança dos recursos naturais. Billy tem desempenhado um papel forte na promoção do vínculo entre os direitos humanos e o meio ambiente, evidenciado pela campanha carro-chefe da Global Witness sobre os defensores ambientais e das terras. Ele é autor de uma série de relatórios sobre abusos dos direitos humanos e ataques contra ativistas na América Latina. Billy tem uma licenciatura em línguas modernas na Universidade de Bristol e um MSC da LSE em direitos humanos. “Ano após ano, o Brasil é o país mais perigoso em termos de números. A indústria madeireira estava ligada a dezenas de assassinatos, enquanto os proprietários de terras eram os perpetradores suspeitos de muitos assassinatos na Amazônia. O Governo reduziu a legislação ambiental e debilitou as instituições de direitos humanos. Apesar do número chocante e crescente de assassinatos, o governo brasileiro, presidido por Michel Temer desmantelou o Ministério dos Direitos Humanos. Um programa nacional para a proteção dos defensores dos direitos humanos tem recursos insuficientes e ineficazes’, conclui sua análise sobre o que ocorre no Brasil e oferece uma análise sobre a realidade mundial.

 

 

A realidade é que a questão ambiental é uma questão de vida ou morte, não apenas de animais e plantas, mas do próprio homem, e do Planeta que o abriga. Em 1972, 1992, 2012 e 2015 as Nações Unidas (ONU) avaliaram a degradação ambiental causada pelo processo de crescimento econômico e progressiva escassez de recursos naturais. Na recente COP21 de Paris, 197 países firmaram acordos, sobretudo voltados á questão do Clima e os países do G20 (mais ricos do mundo) se comprometeram a ajudar financeiramente as nações em desenvolvimento com US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para que estas possam desenvolver sistemas e projetos para redução da emissão de gases de efeito estufa. Muitos alertas estão aí, os mais perigosos são o ‘aquecimento global’ e o advento das ‘mudanças climáticas’, realidades objetivas expressas pelos severos fenômenos climáticos extremos, como o Furação Patrícia (2015) com ventos de 366 Km/h e os Furacões Irma e José (2017), que se formaram na Bacia do Atlântico com poder destrutivo inédito. Neste contexto, na América Latina, até quando as pessoas que lutam, se manifestam, se revoltam e se mobilizam serão condenadas à morte? Até quando…

Nas palavras do Poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, na ‘A Falta que Ama’, quem morre, ‘Não morres satisfeito. A vida te viveu sem que vivesses nela. E não te convenceu nem deu qualquer motivo para haver o ser vivo. A vida te venceu em luta desigual. Era todo o passado presente presidente na polpa do futuro acuando-te no beco. Se morres derrotado, não morres conformado. Nem morres informado dos termos da sentença de tua morte, lida antes de redigida. Deram-te um defensor cego surdo estrangeiro que ora metia medo ora extorquia amor. Nem sabes se és culpado de não ter culpa. Sabes que morres todo o tempo no ensaiar errado que vai a cada instante desensinando a morte quanto mais a soletras, sem que, nascido, more onde, vivendo, morres” (…). Assim, solidários vivemos, assim solidários lutemos…

 

Até quando? Bruno Pereira e Dom Phillips assassinados na Amazônia

O assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira no Vale do Javari na Floresta Amazônica é mais um episódio na triste história de violência contra ambientalistas e expõe ainda mais o Brasil na qualidade de líder do ranking macabro de violência, injustiça e impunidade. O local da morte de Dom Phillips  e Bruno Araújo é o local com a maior concentração de povos isolados do mundo e, pelas riquezas e localização – fronteira com sete países -, é ocupado por garimpeiros, grileiros, narcotraficantes, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais.

No dia 5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philips, foram mortos na região amazônica do Vale do Javari, segunda maior terra indígena do país. Dom e Bruno foram mortos a tiros e tiveram os corpos queimados e enterrados durante uma expedição na floresta amazônica. Um mês após o crime, a polícia prendeu três suspeitos pelo envolvimento no duplo homicídio.

Entre os principais questionamentos sobre as mortes de Bruno e Dom ainda não esclarecidos pelas autoridades, estão a eventual existência de um mandante e a motivação do crime.

 

Dom Philip

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Vinícius Puhl
Vinícius Puhl (44), Jornalista Profissional (Mtb 0002382/SC) é industrial e diretor da Technical Partner Brasil
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