Assembleia Municipal de Loures aprovou fim do uso de animais em circos

Assembleia Municipal de Loures aprovou fim do uso de animais em circos

23 de Fevereiro, 2018 0

A Assembleia Municipal de Loures aprovou a proposta do Bloco de Esquerda que proíbe a utilização de animais em circos no concelho. A recomendação contou com os votos favoráveis do PAN e do CDS-PP e com as abstenções de PS, CDU, PSD e PPM.

A proposta, aprovada no dia 22 de fevereiro, recomenda à Câmara Municipal de Loures que não emita mais licenças a espetáculos circenses que incluam a exibição ou utilização de animais.

Proposta:
“PROÍBE A UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS EM CIRCOS NO CONCELHO DE LOURES
Exposição de motivos

A arte do circo sempre ocupou um lugar no imaginário das pessoas, em particular junto dos mais novos. A habilidade dos acrobatas e equilibristas ou o dom do riso dos palhaços fazem parte das artes do circo ainda hoje tão admiradas pelo público.

Presente no imaginário colectivo, e eternizado pela literatura, pela pintura e pelo cinema, o circo funda-se num discurso visual e sensitivo, que remete o espectador para universos de fantasia e ilusão. Como toda a arte, ele resulta do encontro entre uma obra, um artista e um público.

Nas últimas décadas, em vários países do mundo e em Portugal, tem-se assistido à tendência crescente dos espectáculos de circo abandonarem o uso de animais, apostando-se cada vez mais no que se designa por “novo circo”.

A maior sensibilidade da sociedade, nomeadamente dos mais jovens e crianças, perante as condições de manutenção dos animais no circo e a sua presença em actuações que os forçam a adoptar comportamentos contrários à sua natureza, especialmente dos selvagens, tem levado ao declínio do circo com animais.

Preconizando uma reacção contra o declínio do circo tradicional, os precursores das novas formas estéticas e da renovação das artes do circo recusam, por razões ecológicas e económicas, a utilização de animais.

O “novo circo” fez a opção artística de valorizar as artes que não utilizam animais e esta tem sido uma fórmula de sucesso na atracção de várias gerações de público, sobretudo das mais novas. A atividade ganhou um novo fôlego e capacidade de permanência num contexto de oferta cultural cada vez mais diversificada e competitiva.

No entanto, em Portugal o setor debate-se com um conjunto de deficiências estruturais que têm dificultado a sua recuperação e adaptação às novas procuras do público. A falta de apoios públicos é uma dessas debilidades, a que se soma o facto de os circos tradicionais manterem os mecanismos de funcionamento e criação que herdaram por ausência de instrumentos de qualificação profissional.

A implementação de políticas públicas que defendam a integração social, a viabilidade económica e a qualidade artística desta actividade é absolutamente determinante para perspetivar a produção de espectáculos capazes de atrair públicos exigentes e a sua sustentação perante a concorrência dos novos atractivos culturais.

A preocupação crescente com o bem-estar animal

Ao nível internacional e europeu têm sido crescentes as preocupações com o bem-estar animal e a preservação das espécies selvagens e dos seus habitats, o que tem tido reflexos em termos de legislação e na sua incidência em Portugal.

Refira-se a Declaração Universal dos Direitos do Animal, aprovada pela UNESCO em 1978, a qual reconheceu a necessidade de respeitar o bem-estar e natureza dos animais, em especial dos selvagens. Também no Tratado de Amesterdão, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/99, de 19 de Fevereiro, o qual incluí o Protocolo Relativo à Protecção e ao Bem-Estar dos Animais, afirma o interesse em garantir uma protecção reforçada e um maior respeito pelo bem-estar dos animais. Existem ainda várias directivas comunitárias transpostas para o direito nacional sobre o bem-estar animal, mas nenhuma delas se aplica convenientemente às características da actividade circense, nomeadamente na protecção dos animais selvagens.

Por toda a Europa, a tendência parece ser o abandono dos números com animais. Em França, cada vez menos circos optam por essa estratégia e em Inglaterra a proibição de utilização de animais modificou consideravelmente a estrutura do circo tradicional. Em Espanha um amplo movimento contra a integração destes em espectáculos ganha cada vez mais força. Em Itália, os circos tradicionais adaptaram-se às exigências legislativas da opinião pública e modificaram a sua estrutura.

São estas preocupações crescentes com o bem-estar animal e a própria realidade associada à atividade circense que levaram a que vários países ou cidades adoptassem legislação que proíbe ou restringe a utilização de animais em circos, sobretudo dos selvagens. Mencionamos, a título de exemplo, a Áustria, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Grécia, França, Hungria, República Checa, Canadá, Austrália, Costa Rica, Argentina, Brasil, Índia, Israel e Singapura.

A vida dos animais nos circos

A utilização de animais selvagens nos espetáculos circenses significa que estes têm de ser treinados para contrariar os seus instintos naturais, de forma a obedecerem aos humanos (em especial ao treinador) e a executarem performances que nada têm a ver com o seu comportamento na natureza, como seja enfrentar o fogo, andar de bicicleta, entre tantas outras. Este treino apenas é possível ser feito através da violência, já que se trata de sujeitar os animais selvagens a situações que lhes são naturalmente hostis e de condicionar a sua reacção natural (a fuga ou o ataque). Existem muitos casos reportados de crueldade e de utilização de instrumentos e práticas violentas (chicotes, barras de ferro, choques eléctricos, entre outras) que têm como finalidade condicionar o comportamento animal e punir qualquer sinal de desobediência.

Manter animais nos circos significa também que estes são sujeitos a condições de acondicionamento e transporte amplamente precárias, em virtude das características itinerantes da própria atividade circense.

Os alojamentos em que os animais são mantidos são concebidos para serem facilmente transportados, sem o espaço necessário para os animais se exercitarem ou manifestarem qualquer tipo de comportamento natural. Os animais passam a larga maioria do tempo confinados a espaços pequenos, frequentemente sem as condições mínimas de higiene (é aqui que os animais se alimentam, fazem os seus dejectos, dormem). É comum assistir-se a distúrbios comportamentais graves dos animais selvagens sujeitos a este tipo de condições, nomeadamente a repetição continuada dos mesmos movimentos, auto-mutilação, coprofagia, apatia, irritabilidade, entre outros. Em muitos casos, a longa permanência nos alojamentos gera problemas crónicos de locomoção e, no caso dos animais de grande porte, normalmente presos com grandes correntes ou utensílios semelhantes, é comum apresentarem feridas e cicatrizes diversas. Esta é uma violência inadmissível perante as suas necessidades mais básicas.

Mesmo que os circos queiram dispor das melhores condições possíveis para albergar os animais selvagens, é-lhes impossível simular, mesmo que tenuemente, o habitat original da larga maioria das espécies, e muito menos das mais comuns que encontramos nos circos, como sejam, por exemplo, espécies da família dos felinos, símios, ursídeos. Além das espécies terem necessidades muito diferentes entre si, o facto de os circos passarem parte do seu tempo em viagem, transportando os animais de um lado para o outro, impossibilita que assim seja. O transporte regular constitui também um factor de perturbação grande para os animais, assim como a mudança constante de local e condições climáticas. Nos circos é frequente assistirmos a alojamentos sobrelotados, de forma a facilitar o acondicionamento e transporte dos animais. É também comum o desrespeito pelas necessidades sociais básicas das várias espécies (vida em comunidade ou isolamento), presenciando-se, muitas vezes, a proximidade de espécies não compatíveis entre si por uma questão de racionamento de espaço.

Esta é uma realidade inerente à própria actividade do circo que mostra a incompatibilidade existente entre o cumprimento da legislação de bem-estar animal e a permissão da sua manutenção e utilização nos circos.

Sinais contrários em termos de educação ambiental e conservação da natureza

O espectáculo do circo com animais selvagens é profundamente anti-pedagógico, principalmente numa época em que as preocupações ambientais e com o bem-estar animal são cada vez mais presentes e ganharam lugar próprio na legislação comunitária e nacional e nos conteúdos educacionais. Por exemplo, é profundamente contraditório estar a fazer educação e sensibilização ambiental, nomeadamente a jovens e crianças, para a necessidade de preservar os habitats e a biodiversidade, ao mesmo tempo que se permite a subtracção de espécies selvagens ao seu meio natural com a finalidade de as colocar a fazer performances que contrariam o seu comportamento natural. Este é um espectáculo que manipula o público e o induz em erro, pois apresenta uma ideia errada sobre o comportamento natural da espécie em actuação e omite o tratamento e treino a que os animais são sujeitos e as condições em que são mantidos.

Nem os circos são locais adequados para actividades de educação e sensibilização ambiental, nem os circos são capazes de promover a preservação das espécies. São extremamente raros os casos de reprodução de animais de circos, para além de que a forma como se obtêm as espécies selvagens nem sempre é lícita. O facto de existir uma actividade comercial que utiliza animais selvagens estimula o tráfico ilegal, prática reconhecida internacionalmente como criminosa, quer para substituir os animais que já não são lucrativos, quer para obter espécies que sejam novidade para o espectáculo. Recorrer aos circuitos legais, os jardins zoológicos, requer tempo (para as licenças e controlos) e preços elevados que nem sempre são atraentes para uma actividade em declínio, como nem sempre permite obter todo o tipo de espécies desejadas para trazer maior atractividade ao espectáculo e maiores receitas à actividade.

O relatório “Animais em circos: legislação e controlo na União Europeia”, realizado pela bióloga Leonor Galhardo, consultora do Eurogrupo para o Bem-Estar Animal, e publicado em 2005, conclui que nos cerca de mil circos existentes na Europa são utilizados muitos animais de espécies ameaçadas, classificadas para protecção e nascidas em meio selvagem.

Em relação aos cerca de 20 espectáculos com animais que existem em Portugal, o estudo conclui que são “maus” a nível do bem-estar dos animais utilizados, nomeadamente pelas condições em que são mantidos e a forma como são tratados pelos tratadores e treinadores. Refere a investigadora, em entrevista à Lusa, que “os animais têm as suas necessidades e dignidade próprias e o ambiente do circo não é o adequado para exibir a natureza dos animais”, considerando que a única forma de respeitar as necessidades destes animais é a proibição da sua utilização em circos.

Perigo à saúde e segurança pública

Os circos com animais selvagens, devido ao facto de serem itinerantes, apresentam fragilidades em termos de segurança para o público, mas também para os próprios animais. Existem vários relatos de ataques de animais ao público, a visitantes que se aproximam das zonas de alojamento e mesmo a fuga de animais do circo. Tome-se como exemplo o caso, ocorrido no final de Janeiro de 2008, em que dois tigres do circo Chen escaparam da carruagem de transporte de animais à entrada da cidade da Azambuja.

Os circos também não estão preparados para garantir boas condições de nutrição e saúde animal, pois não há uma vigilância veterinária permanente, nem os seus tratadores detêm, de uma forma geral, conhecimentos técnicos formais sobre estas matérias. Deste modo, não é de menosprezar a possibilidade de o circo com animais selvagens ser um foco de doenças transmissíveis a outros animais e mesmo às pessoas, sobretudo porque não existe um sistema de vacinação eficiente para os animais selvagens.

Hoje em dia, as preocupações internacionais e nacionais com a preservação das espécies selvagens e dos seus habitats, as quais têm levado à produção de muita legislação ambiental e de bem-estar animal e ao crescimento das actividades de educação e sensibilização ambiental, não são compatíveis com a manutenção e utilização dos animais selvagens em circos. A avaliação do decorrer deste processo, associado à existência de medidas de apoio às artes do circo para a requalificação da actividade, deve conduzir ao alargamento da proibição de utilização de animais domésticos nos espectáculos.”

Foto: Usien

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